Anjos

            Eles estavam atrás dele. Seu único refúgio naquela noite obscena era a velha e imponente igreja circundada pelo bairro desprotegido. O grande portão de madeira estava apenas encostado. Dentro, só a luz das incontáveis velas iluminavam o local. Ele queria rezar, mas não sabia. Tinha que encontrar o padre; aproveitar o refúgio e confessar seus pecados. Havia matado um homem. Havia matado um homem naquela mesma noite. Por isto estava sendo perseguido. “Mas foi legítima defesa”, pensava, tentando suprimir a culpa que tomava conta de seu caráter. E realmente agiu em legítima defesa. Mas, naquele instante, não fazia muita diferença. Eram bandidos sórdidos, que o importunavam desde que sua família faliu e precisou morar em um bairro desprovido dos confortos aos quais estava acostumado.

 

            O templo parecia deserto. O silêncio confortante do lugar trazia calafrios ao mesmo tempo que tranquilidade. Não sabia se deveria gritar ou permanecer calado, esperando que alguém viesse ao seu encontro.

 

            Ouviu vozes na rua. Eram seus caçadores. Sentiu um arrepio típico na espinha. Aproximou-se do altar, como se estivesse sem rumo, não sabendo onde se esconder. Ao olhar a sua direita, percebeu a imagem de um santo. Uma linda imagem de um santo. Robusto, belo, impávido. Não sabia de quem era o ser de instante onipresente. Os olhos da escultura pareciam fitá-lo de forma misericordiosa. Ergueu as mãos sujas de sangue, objetivando tocar o rosto da estátua. Queria apenas tocá-la. Sem sentido. Só tocá-la. Como se pudesse absorver todo perdão que sua alma solicitava antes de seu derradeiro momento de vida.

 

            As vozes que vinham de fora não cessavam. Não havia mais nada a ser feito. Não havia lugar para onde ir. Sentiu então que sua vida terminaria ali, daquela covarde maneira. Seus algozes entram então pela porta da frente, arrebentando-a. Seus sorrisos obscenos alavancaram o medo do fugitivo. Era o fim. Olhou novamente para o santo, como se pedisse clemência, e tocou em sua fria face de gesso.

 

            Foi neste instante que um vento intenso, poderoso, tomou conta de todo o local. O pavor instalou-se naqueles rostos que ocupavam a igreja. Bancadas de madeiras, cadeiras, castiçais voavam de um lado a outro, jogando a todos no chão. Figuras pálidas, quase transparentes, deslocavam-se sobre as cabeças dos apavorados homens. Eram apenas silhuetas, mas o rapaz que fugia podia jurar que eram anjos vestidos de azul. Para os perseguidores, pareciam fantasmas que os atacavam anunciando suas mortes. Em todo canto havia um. No altar, nos vitrais coloridos, em todas as direções.

 

            No auge do tumulto, a figura do padre surge em uma das portas internas da igreja. Ele presencia, estupefato, aquele inimaginável movimento. Os bandidos, atordoados, conseguem se livrar das correntes de ar que circulam e correm como nunca para fora do templo. Quando o último deles deixa o local, a ventania insana é interrompida imediatamente. O sacerdote olha a sua volta e vê a igreja totalmente destruída, enquanto abraçado a uma imagem, encontrava-se um rapaz ensanguentado. Sem hesitar, o padre fala: “Vá embora, meu filho; vá com Deus”. E, também sem rodeios, o condenado segue seu caminho.